Cibercultura, trabalho, lazer e sociabilidade em ambientes digitais
Novas tecnologias de comunicação têm sido responsáveis por dar maior mobilidade e extensão à Cultura.
Anualmente, desde 1984, a cidade californiana (EUA) de Monterey sedia o Technology, Entretainment and Design (TED), conferência de profissionais ligados a tecnologia, entretenimento e design. O evento, que dura quatro dias, leva à comunidade ligada às novas tecnologias apresentações de 50 profissionais (18 minutos cada), para exporem novos projetos e ideias inovadoras.
Entre toda a miríade de conteúdo produzido, em geral dando origem a amplo acervo do Youtube, destacam-se projetos com tecnologia Touchscreen. Ao contrário do que se pensa, essa já é uma tecnologia utilizada em estabelecimentos comerciais de países de primeiro mundo.
Estas novas possibilidade de interação homem-máquina serão responsáveis por avanços significativos em diversas áreas. Entre delas, e talvez uma das mais favorecidas, o Entretenimento. Embora ainda não tenhamos, de maneira concreta, os benefícios do avanço de interfaces de toque, já podemos perceber a importância da simbiose entre ambientes digitais, lazer e tempo livre, com apenas um retrospecto breve.
Fenômeno super explorado, de 1999, o Napster (primeiro programa de compartilhamento massivo de mp3 através de tecnologia ponto-à-ponto - peer-to-peer) foi responsável pelo desencadeamento de uma corrente avassaladora de ideias e tecnologias hoje amplamente utilizadas na internet. O que começou como uma possibilidade de tempo livre, a troca de músicas em ambientes digitais hoje é o principal gatilho de mudança estrutural, e ideológica, de toda a indústria fonográfica.
O Napster é apenas o exemplo inicial de um novo modo de vida. Gerações recentes são criadas sobre a lógica dos ambientes digitais. Esta lógica sociocultural é definida por muitos como Cibercultura. O pesquisador brasileiro André Lemos, em seu artigo “Cibercultura, alguns pontos para compreender a nossa época”, define melhor o termo como sendo “a forma sociocultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70”.
E vem do próprio pesquisador (no mesmo artigo) uma passagem que permite reflexões mais amplas sobre influências de novas tecnologias na configuração do Trabalho e do Lazer: “As práticas comunicacionais da cibercultura são inúmeras e algumas verdadeiramente inéditas. Dentre elas podemos elencar a utilização do e-mail que revolucionou a prática de correspondências pessoais para lazer ou trabalho”. Bem, situemos a frase em um contexto onde Lemos discorre a respeito do surgimento das novas tecnologias de comunicação na institucionalização de práticas sociais fundamentais.
A troca de correspondências sempre existiu como um mecanismo social. O que Lemos chama atenção é para a possibilidade de indivíduos utilizarem um mesmo suporte com, ao mesmo tempo, fins de Trabalho e Lazer. Ao entrar em um sistema de e-mails, o usuário se vê em um micro-ambiente onde é permitido a troca correspondência entre contatos profissionais ou pessoais. Muitas vezes, devido à linguagem peculiar de tal meio, as duas esferas se misturam. Textos de e-mail permitem uma liberdade linguística, e social, muitas vezes não permitida em relações face-a-face em ambiente físicos de trabalho.
Ainda é possível, ao usuário, ao mesmo tempo em que se corresponde com contatos profissionais, navegar por ambientes digitais de entretenimento. O sistemas de Janelas, do amplamente utilizado Windows, permite que percebamos a configuração de uma nova rotina de trabalho, que se apropria de mecanismo de rompimento com a relação espaço-temporal, permitindo ao usuário, ao mesmo tempo, localizar-se fisicamente em locais de trabalho, mas desenvolver atividades típicas do tempo livre (troca de correspondências com amigos, por exemplo).
Esta mesma lógica também está presente em situações contrárias. Com as tecnologias Wi-fi, que permite ao usuário a conexão sem fio, temos a possibilidade de a qualquer momento desenvolvermos atividades profissionais em ambientes externos ao local de trabalho.
A cibercultura coloca questões sobre vários aspectos da vida social. Apropriemos do conceito de Sociabilidade, proposto por Simmel, como uma associação pura e simples, sem interesses que não o da própria associação. Esta lógica está claramente perceptível em mecanismo peculiares da internet. A blogosfera, os programas P2P (como MSN e Google Talk) e sites de relacionamento são os espaços comuns mais utilizados por usuários, que, na maior parte das vezes têm, como objetivo central, a prática da associação por ela mesmo. Pense no site Orkut, uma imensa rede de relacionamentos, em que usuários sociabilizam em torno de comunidades ou de maneira pessoal. É neste contexto que temos uma possibilidade incisiva de manifestação de intersubjetividade, facilmente associada às características do Espaço Público, proposto por Habermas. O espaço livre é apropriado por agentes sociais que o utilizam para manifestarem suas opiniões (também podemos encontrar neste mesmo espaço a Opinião Pública) de maneira organizada podendo, muitas vezes, levar a deliberações concretas no mundo real.
A sociabilidade e formação de “ambientes-comuns” no mundo virtual, embora seja uma prática nova (por estar ligada ao surgimento da informática), apoia-se em um pilar extremamente antigo, a escrita. Se pensarmos que culturas antigas estendiam-se no tempo e no espaço, sobrevivendo a gerações futuras, percebemos claramente a importância da escrita. O que percebemos hoje, é claro, não é o fim da utilização da escrita como meios de subsistência cultural, mas sim a reconfiguração da redação textual levando ao hipertexto, e assim ao diálogo entre diferentes culturas.
Sejamos mais claros. O texto, como está estruturado em ambientes digitais, é apresentado sobre um suporte telemático como parte integrante do conteúdo de um documento de proporções globais. A utilização de links (em documentos html, xhtml, xml) possibilita diálogos infinitos, ligando assim, documentos diversos sobre assuntos extremamente diferenciados. Ao navegar pela internet, o usuário encontrará N números de possibilidades. Daí, temos a conexão entre práticas culturais documentadas em ambientes digitais por meio da sociabilidade. Ao produzir/ler conteúdos sobre outras culturas que não a sua, o usuário pode agir ativamente, respondendo, ou produzindo conteúdo sobre sua própria cultura.
Assim, os mecanismos de sociabilidade (textuais) em ambientes digitais não só podem garantir o registro e a sobrevivência de culturas, mas dar à elas um caráter de maior extensão e mobilidade.
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